domingo, 25 de setembro de 2011

O velho contador de histórias

Eu estava com Guria na frente do China in Box da Manuel Dias a procura de um táxi. Atravessamos a rua e avistei um senhor, cheio de energia, gesticulando e falando alto como quem tivesse organizando a entrada de um carro num estacionamento. Logo depois ele encostou em um Uno, de faixas azuis e vermelhas.

- Tá livre ai?
- Tá. Pode entrar!

Entramos os dois no banco do fundo. O Velho era grisalho, parecia ter mais de 70 anos. No entanto pela rapidez com que entrou no carro, ligou e saiu andando, parecia um garoto de 15.

- Vamos pra onde?
- Brotas!
- Hahahaha, Brotas de Macaúbas.
- ??? ham?
- Por onde?
- Vira na próxima direita, pega o itaigara, avenida ACM e sobre a redenção.
- Itaigara? Né pior não?
- Não. Por onde é melhor então?
- ACM, e sobe a redenção.
- Então. Foi isso mesmo que eu falei.

Entramos no sentido Itaigara e paramos numa sinaleira. O senhor gozou de uma senhora que tentava atravessar a rua.

- Nessa lerdeza aí, o sinal vai abrir e vou atropelar. Eu sou velho, mas sou durinho.
- Hehehehe.
- É por que eu lido com gado, no interior. Sou fazendeiro.
- A é? Fica em que interior?
- Brotas de Macaúbas. Conhece?
- (tava explicado o Brotas de Macaúbas) Conheço não. Eu sou de Jequié.

O sinal abriu e por sorte a senhora já havia atravessado a rua. O velho não a atropelaria mais. Seguíamos ali na Avenida ACM, pela região do Itaigara.

- Ah! JEQUIÉ. Terra de Aragão. (gritou)
- De quem? (gritei também)
- Aragão!
- (Minha vontade era fazer uma rima, mas respeitei Guria e a idade dele.) Conheço não.
- Do programa de Mário Kertész. Não escuta não?
- Não.
- É um moço que comenta no programa. Rádio Metrópole, Cento e um ponto três.

O trânsito seguia pesado e lento, já quase em frente ao Teresa de Lesieux. Paramos lado a lado com uma Pajero.

- Oh que carrão da porra.
- É, eu acho bonito também.
- Comprei uma Hilux, mês passado.
- Porra. Massa. Carrão também.
- Era um sonho antigo meu. Agora que eu tô com condições, comprei.
- Massa. Para usar na fazenda. É bom mesmo.
- Minha filha que diz que eu estou ficando maluco. Mas era um sonho, e agora to tendo uma boa condição...
- Com certeza.
- Agora eu tô querendo comprar uma retroescavadeira também.
- Porra! Hehehehe.
- Acho que consigo uns 60mil em três meses.
- Wow! Me ensine seu segredo ai, pra eu juntar essa grana também.
- HAHAHAHAHAHA.

Eu pensei, ou esse velho ta cheio do dinheiro mesmo ou ta caducando.

- É a fazenda né? Dá muito dinheiro.
- Não.
- É o táxi então?
- Não.
- É o que então rapaz?
- Empréstimo de dinheiro a juros.
- Ah!
- Empresto dinheiro a 20% de juros.
- Porra, é muito juros...
- É! Por isso ganho muito. Se empresto 8 mil, ganho 13 mil mais ou menos.
- E calote, não toma não?
- Ah! Já tenho todo esquema. Não sou sozinho nisso não. Tenho os sócios, os seguranças...
- Se alguém não pagar, tu apaga né? Hehehehehe.
- Até hoje nunca morreu ninguém não. Mas tenho os seguranças e pessoas que fazem a cobrança.
- Rapaz, que coisa.
- Eu tenho mais de R$100 mil na rua. Rodando. Vou ganhando e vou emprestando... há 20%
- E assim comprou a Hilux...
- Comprei a Hiluz e agora quero comprar a retroescavadeira.

A conversa sobre toda a máfia e esquema dos empréstimos do velho seguiu do final da Cruz da redenção até a porta do meu apartamento. Indiquei onde ele devia parar. A corrida deu R$17,50. Dei uma nota de vinte reais. Ele me voltou uma nota de R$2,00

- Tô sem moeda aqui. Vou ficar devendo cinqüenta centavos.
- Ah! Tudo bem.

Depois que desci do carro eu pensei.
O miserável comprou uma Hilux, quer comprar uma retroescavadeira, tem mais de R$100 mil circulando na rua e não tem cinquenta centavos pra me dar de troco.