domingo, 28 de novembro de 2010

Salvo pelo taxímetro


Já eram 3h da manhã de sábado, e eu já tinha dado virote em outra festa na noite no dia anterior. Não esta me agüentando em pé. Me despedi dos meus amigos e saí da festa para procurar um táxi e voltar pra casa. A festa era na praça Castro Alves (centro da cidade), próximo ao pelourinho. Assim que sai, avistei um Corsa Sedan com as faixas vermelha e azul do outro lado da rua. O motorista estava dentro do carro. Fui atravessando a rua assoviando e acenando pra ele, mas ele não se mexia, tava dormindo. Quando me aproximei bem ele tomou um susto e acordou. Eu encostei no vidro dele.
- E ai velho...
- Oh! Vai pra onde?
- Rapaz, lá em Brotas tu faz quanto?
- Porra, difícil saber. Tu não é acostumado pegar táxi aqui não?
- Dá uns doze reais, né não?
- Ohohoho é mais, é mais...
- Vamos fechar dezesseis.
- Vinte.
- Dezoito...
Fechamos em R$18,00 e seguimos pro destino com o taxímetro desligado. O cara era negro e gordo, tava todo arrumado, calça social, camisa social. Era um tipo Bussunda. Ele subiu a avenida em direção ao pelourinho, praça da sé.
- Eu gosto de tirar um soninho no carro.
- Hehe
- Durmo aqui mesmo. Chego em casa só tomar um banho e já to novo em folha.
- Hum. Dormi bem pra mim, só no meu quarto.
Enquanto conversávamos de leve, eu comecei a perceber um ambiente estranho ao redor. O cara foi adentrando pelo pelourinho, em umas ruas estreitas, uns becos que nunca tinha estado na vida. Pensei, deve ser algum atalho que o cara conhece, pra sair em alguma avenida conhecida. Entra em beco, sai em beco, entra em beco, sai em beco. E ai o ambiente ficou sinistro de verdade, era dark demais. Várias prostitutas e pessoas pelas ruas usando drogas... Submundo mesmo.
- Oh lá aqueles três ali. Tão cheirando crack.
- Hehehehehe. Rapaz, que lugar é esse véi...
- Isso aqui ta abandonado. O prefeito não vê isso.
- Que mané prefeito rapaz. Puta que pariu. Isso aqui é sinistro demais velho.
- Oh lá aquele, comendo a mulher ali no meio da rua... hehehehehe
- Rapaz, esse lugar aqui é punk. Porque que tu veio por aqui maluco?
O medo bateu essa hora. Entre casarões abandonados, usuários de crack e prostitutas fazendo sexo oral ao ar livre a gente ia passando por uma rua muito apertada, que só dava pra passar um carro por vez. Sem contar as encaradas que todos davam pra dentro do táxi. Lá na frente avistei um sujeito sem camisa, de bermuda e descalço andando no meio da rua, vindo ao nosso encontro. Ele começou a gesticular pra a gente diminuir a velocidade. Ai eu gelei. Pensei, mas que merda, que porra que esse cara foi vir por aqui. Agora fudeu mesmo, vamos ser assaltados, to fudido... O gordinho não parou o táxi, mas andávamos a uma velocidade baixa. O cara encostou no vidro dele.
- Arruma um trocado aí maluco.
O motorista miserável, calmamente virou a cabeça e olhou pra mim com uma cara de merda, como se pensasse: É com você, resolva ai...
- hein? Porra negão. To quebrado aqui. To sem nada mesmo.
- Quebrado o que véi. Andando de táxi aí.
- É que to com o dinheiro certo do táxi aqui, serio mesmo poh! Se não arrumava.
- É um real só maluco, pra eu comer uma coisa que to com fome.
- Rapaz, to sem mesmo.
- Podia ta roubando, mas to pedindo.
- Porra cara, é tanto que, acertei com ele o valor antes. Porque só tenho dez reais aqui. Pode ver, até o taxímetro ta desligado.
O sujeito olhou pro taxímetro. Olhou pra mim. Olhou pro motorista. O motorista olhou pra ele. Olhou pra mim. Eu olhei pro taxímetro. Olhei pro sujeito. E fiz a mesma cara de merda que o motorista tinha feito pra mim. O sujeito se afastou do vidro. Ufa!
Saímos dos becos e seguimos em direção a minha casa. A viagem seguiu friamente, como se nada tivesse acontecido.
- Sobe a Vasco da gama ou vai pelo Bonocô?
- Pela Vasco mesmo.
- Pela Vasco é mais rápido mesmo.
Já na estávamos na avenida principal do meu bairro...
- Quando for aí, tu me fala.
- Ta. Pode seguir aí, na próxima esquerda você entra, depois daquele muro branco ali.
- Ta com dinheiro trocado?
- Não. Por quê? To com vinte reais.
- Me da logo aí então, pra já te dar o troco aqui mesmo, antes de entrar na rua. Por que essa rua ai é perigosa a gente ficar parado.
- ESSA RUA É PERIGOSA? Oxe! Ta maluco? Perigoso foi onde a gente passou.
- Eu sei, mas é que a gente não pode dar bobeira em lugar nenhum né?
- Que bobeira rapaz? Tu vem por um caminho escroto da porra, e vem falar que minha rua é perigosa. Toma aí, vinte...
Paguei e ele me deu o troco (R$2,00) antes de entrar na minha rua. Só depois, entrou. E parou na porta do meu prédio.
- Pode encostar aqui.
- Pronto!
- Valeu! Boa noite.
- Boa.
- Vai com cuidado aí.
- Beleza...
Fiz uma especie de exemplo do que seria as ruas que passamos e uma foto que mostra a porta do meu prédio (vista da minha janela). pra comparação. (clique na imagem para ampliar)

domingo, 7 de novembro de 2010

O ga-ga-gago ranzinza

Sábado a noite, voltando de uma noitada no bairro do Rio Vermelho em Salvador, as chances de você encontrar um taxista muito louco são de praticamente 99,9%. Era por volta de 1h da manhã. Chamei o táxi que estava passando. Um Uno. O motorista era branco, usava óculos, meio gordo. Tinha cara de pai de família, de bom sujeito. Entrei no banco da frente.

O Rio Vermelho é um bairro boêmio e cheio de bares. Assim que começamos a corrida passamos por alguns e daí que tudo começou.

- Eu, per-perder noite sentado em bar? Jamais. Perco no-noite trabalhando por que tenho necessidade. Odeio ficar em um am-ambiente assim. É pra-pra onde mesmo?

- Hehehehe (¬¬) Brotas.

Porra, o cara era gago. Falava de uma maneira muito engraçada, algumas palavras travavam pra sair e isso era muito engraçado, eu ia ter que segurar a gargalhada.

- Já perdi muitas noites, quando e-e-era mais novo. Mas agora não. Ficar sentado nesse barulho, ninguém pode conversar nada, bater um-um-um papo.

- Sei... (Segura, segura. Pensa na fome das crianças na África, na natureza, nas árvores...)

- Sentar em uma me-mesa de bar, ficar ouvindo música alta, axé... De-Deus me livre. Odeio axé. Música de gente i-i-i-ignorante.

- Hehehehehe, eu também não gosto muito de axé não.

- Porcaria rapaz... tudo lixo. A mú-mú-música hoje em dia, não va-vale nada.

- Rs. Algumas valem poh. (as crianças, a fome, as árvores, os passarinhos voando)

Por impulso ele apertou o botão e ligou o som do carro. Tava passando algo sobre futebol... um comentário ou alguma vinheta de um jogo. Não levou 3 segundos e ele desligou.

- O-o-odeio Futebol.

Eu pensei, mas não é possível uma coisa dessas. Qual seria a diversão desse sujeito? Caçar moscas com haxi? O cara odeia todo... Mas agora a conversa tinha ficado séria. Futebol...

- EU AMO FUTEBOL.

- Eu o-odeio. Não perco meu tempo ven-vendo jogo.

- Rapaz... nem copa do mundo?

- Pi-piorou em copa do mundo. Eu nunca fui apaixonado por fu-futebol, mas, tomei raiva mesmo quando descobri essa má-máfia toda. É melhor subir no Acupe ou no Extra?

- Que máfia rapaz? Sobe pelo Acupe mesmo.

- Esses jogadores ai, tu-tudo um bando de ignorantes, tudo ganhando milhões, bi-bilhões aí.

- Mas isso não é máfia não. Eu também acho meio exagerada essa supervalorização dos jogadores, mas...

- Você estuda, se fo-forma, rala pra caralho, pra ganhar mixaria. Enquanto esse Ro-ro-ronaldo mesmo ai, ganhando 500 mil. Pra não fazer nada rapaz... Fico indignado com i-i-isso.

- Hahaha. Fora a grana que ele ganha com publicidade. Que deve ser maior ainda.

- Ainda tem i-isso. Não sei como uma marca, chama esse Ro-Ronaldo pra fazer propaganda. Odeio essas propagandas tam-também.

- Porra... Eu faço isso.

- I-i-isso o que?

- A próxima direita o senhor pode entrar, é o primeiro prédio da rua.

- Trabalha fazendo pro-pro-propaganda é?

- É!

- Ah!

- É essa direita rapaz. Entra aí!

- Oopa!

Ele parou na porta do meu prédio. Senti que ele ficou meio desajeitado e sem graça.

- Foi quanto aí?

- Tê-treze reais. Mas é pro-propaganda com Ronaldo que tu faz, não?

- Não, não... hehehehe. Às vezes faço umas com a Ivete Sangalo.

- Ah!

- Da Ivete Sangalo você gosta né?

- Não! O-o-odeio.

Desci do carro com uma vontade enorme de perguntar a ele, o que ele não odiava. Mas preferi ficar imaginando ele feliz da vida caçando moscas com haxi.